19 de abril um dia dedicado a lembrar 500 anos de resistência ao extermínio colonial e contemporânea
Por Sergio Gomes
A população indígena total no Brasil, em 2022, é de cerca de 250 mil pessoas, mas na época da chegada dos portugueses por aqui, estima-se que haveria entre 2 milhões e 5 milhões de pessoas. E, nesse tempo, ao longo dos anos, os povos indígenas foram sendo dizimados e cada vez mais suas terras foram invadidas e suas culturas atacadas. Ao contrário das declarações que o atual governo federal faz, as lideranças indígenas atuais denunciam sistematicamente o quanto os órgãos oficiais têm autorizado diversos ataques aos direitos dos povos originários do Brasil. Uma das denúncias é sobre a atuação da “nova Funai” (Fundação Nacional do Índio, criada em 1967 para garantir vida digna aos povos indígenas) está sendo marcada por retrocessos, como o retardo na demarcação de Terras Indígenas que já estavam em andamento. Articulações feitas pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública fez com que pelo menos 27 processos de demarcação que já estavam em seus trâmites finais fossem devolvidos pela pasta à autarquia (a Funai) para nova análise.
A História dos movimentos indígenas
A história dos movimentos indígenas se confunde com a própria história do continente americano, mas o marco dos movimentos indígenas foi em 1940 no México, momento em que foi realizado o primeiro Congresso Indigenista Americano (Convenção de Patzcuaro), com o objetivo de criar e discutir políticas que pudessem zelar pelos índios na América.
Porém, no Brasil, começaria a se manifestar de maneira mais organizada apenas na década de 70, tendo em vista a já antiga necessidade de proteção de terras em relação a políticas expansionistas da ditadura militar. Logo após esse período, em 1983, Mário Juruna é o primeiro deputado indígena é eleito no país, reforçando a ideia de que, para evoluir em sua luta, os povos indígenas precisariam ser representados por quem a conhecia e vivenciava de fato.
A Primavera Indígena
Os povos indígenas estão em constante mobilização, não apenas pela vida de seus membros, mas pela vida de toda a humanidade, que está seriamente ameaçada pelos constantes ataques, exploração e agressões das reservas florestais, promovidas pelas elites econômicas, herdadas do extrativismo e mercantilismo colonial e feudal e de uma sucessão de governantes que não têm visão de valorização dos recursos naturais e das culturas primordiais.
Muitos movimentos contemporâneos, liderados por jovens indígenas, despontam neste cenário e propõem soluções condizentes com o sistema sócio político atual.
Uma manifestação que durou 10 dias no segundo semestre do ano passado foi noticiada em todo o mundo. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) organizou o acampamento Luta pela Vida, em Brasília, no dia 22 de agosto de 2021, com a intenção de acompanhar a votação do Marco Temporal, que foi adiada, e então seguiram mobilizados até o dia 2 de setembro de 2021 para lutarem por seus direitos.
Mesmo em meio a pandemia Covid19, centenas de indígenas de povos de todo o país permaneceram acampados em frente ao Congresso Nacional, por enfrentarem muitos outros “vírus”. Os povos indígenas sofreram muito mais intensamente as perdas para a Covid19, devido a vulnerabilidade e descaso de órgãos governamentais com o atendimento aos doentes, prática apelidada de “política genocida”. A “Primavera Indígena” de 2021, desdobrou-se do acampamento para as redes sociais e vários outros territórios mobilizados.
A luta do movimento indígena no Brasil abrange muito mais do que apenas o território físico. Uma de suas grandes exigências é a possibilidade de manter sua cultura, seu modo de vida. A proposta do movimento indígena tem como objetivo central de sua mobilização política a conservação e delimitação das áreas indígenas. Dentro do conceito “terra”, estão inseridas reivindicações como educação, saúde, respeito e reconhecimento à sua cultura, projetos socioeconômicos destinados aos diversos povos, áreas de preservação e fiscalização ao cumprimento de leis e demarcações.
Marco Temporal
O Marco Temporal é uma tese jurídica que defende que os povos indígenas só teriam direito às terras que já ocupassem em 5 de outubro de 1988, data em que foi publicada a atual Constituição Federal foi promulgada. O debate que o envolve existe há mais de 10 anos, mas ganhou força nos últimos tempos. O marco temporal propõe uma alteração radical na política de demarcação de terras indígenas (TI) no Brasil.
Assim, se determinado povo indígena não estivesse na terra que ele disputa na data mencionada, seria necessário uma comprovação na Justiça de que havia uma disputa judicial em curso ou um conflito acontecendo no momento de promulgação da Constituição. Porém as populações indígenas e defensores dos direitos dos povos indígenas entendem que o marco temporal é parte de uma estratégia de ruralistas e agricultores para barrar o avanço das demarcações no Brasil.
A última sessão do Congresso Nacional, que aconteceu em setembro de 2021, foi adiada e não existe previsão para quando essa tese será julgada novamente. Apesar de a prática não ter sido oficializada ainda, os especialistas consideram que o Marco Temporal já tem sido utilizado como política para a demarcação de TI desde o governo de Michel Temer, iniciado em 2016.
O caso ganhou grande repercussão no Brasil porque passou a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a instância máxima do Judiciário em nosso país. E no exterior também, com a participação da jovem Samela Sateré-Mawe, de 24 anos, (que se destacou durante a pandemia por levar informação, alimentos, material de higiene e assistência às comunidades indígenas da Amazônia, seguindo os passos de outra grande líder, sua mãe, Sônia Sateré, coordenadora da Associação de Mulheres da Etnia Sateré Mawe) e que falou na COP 26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Glasgow, na Escócia, em 2021).
Líderes Indígenas
A Deputada Federal Joenia Wapichana é da comunidade indígena Truaru da Cabeceira, região do Murupu, município de Boa Vista, pertence ao povo indígena Wapichana, o segundo maior povo do Estado de Roraima.
Formada em Direito (1997) pela Universidade Federal de Roraima (UFRR), passou a atuar em defesa das comunidades indígenas por meio da assessoria jurídica do Conselho Indígena de Roraima - CIR. A sua formação lhe concedeu o reconhecimento de primeira advogada indígena no Brasil a atuar pelos direitos dos povos indígenas.
Depois da graduação, em 2011, Joenia Wapichana buscou aprofundar a formação na área e encarou o mestrado na Universidade do Arizona, Estados Unidos, onde cursou através de uma bolsa da Fundação Fullbright.
Atuou no Conselho Indígena de Roraima (CIR) ao longo de 22 anos no departamento Jurídico. Nessa trajetória junto à organização indígena participou e ocupou vários espaços importantes, como o Conselho do Desenvolvimento Econômico e Social – CDES, o Conselho Nacional de Biodiversidade – Conabio, dentre outros importantes no país.
Cacique Raoni
Cacique Raoni, talvez seja o líder indígena mais famoso do país. Nascido em 1930, no Mato Grosso, na vila Krajmopyjakare, hoje conhecida como Kapôt, ele pertence ao povo Kayapó e aprendeu português com os irmãos Villas-Bôas. Raoni conquistou fama internacional por sua luta pela preservação da Amazônia. A marca registrada é o adorno em forma de disco que usa no lábio inferior. Na Internet, são comuns imagens dele ao lado de personalidades internacionais como o cantor Sting e o ex-presidente francês Jacques Chirac. O cacique também é figura comum em protestos e mobilizações indígenas em todo o Brasil, seja em pequenos municípios ou na capital federal. Seu nome já foi cotado mais de uma vez para candidato ao prêmio Nobel da Paz, mas a iniciativa ainda não se concretizou.
Sônia Guajajara
É uma das maiores vozes do movimento indígena brasileiro. Nasceu em 1974, em uma aldeia do povo Guajajara/Tentehar, na região de Floresta Amazônica do Maranhão. Soninha, como é carinhosamente conhecida, é a atual coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mas esteve por dois mandatos à frente da Coordenação das Organizações e Articulações dos Povos Indígenas do Maranhão e foi vice coordenadora da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (Coiab) por cinco anos. Ela já acumula 25 anos de luta na defesa dos direitos dos povos indígenas.
Para Saber Mais:
Livros escritos por autores indígenas:
. Ideias para adiar o fim do mundo, de Ailton Krenak
. O Índio Brasileiro: o que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje, de Gersem dos Santos Luciano – Baniwa
FONTES
Comments