Dia das Mães – A luta por equidade da mulher, mãe e profissional brasileira
Sendo você ou não um homem, imagine-se descobrindo que ficou grávido. Isso mesmo, grávido, no masculino. O que você faria? Quais perguntas, receios, dúvidas e inseguranças viriam à sua mente?
Suponha também que outros homens, no mundo inteiro, começam a engravidar, então você não será uma exceção. Levando isso em conta, se você tem um emprego, acha que ele seria ameaçado? Se não tem, mas está em busca de um, acha que a gravidez afetaria as suas chances de contratação? Com o passar dos meses, será que seus colegas de trabalho, amigos e familiares passariam a vê-lo mais como profissional, homem, pai ou como algo entre essas três coisas?
São questões com as quais mulheres que descobrem que serão mães se deparam cotidianamente e com intensidade crescente, tendo em vista as suas conquistas graduais, porém constantes, na luta por equidade. Uma pesquisa feita pela Catho em 2018, que ouviu 2,3 mil profissionais, apontou que 30% das mulheres deixam o mercado de trabalho para cuidar dos filhos, enquanto que, entre os homens, a porcentagem é de 7%. Entre as mães, 48% afirmam que já tiveram problemas no trabalho por ter que se ausentar porque o filho passou mal, e 24% enfrentam conflitos por atrasos nos dias de reuniões escolares. Em outro levantamento, da Vagas.com, entre as 52% das mães empregadas que declararam ter passado por algum constrangimento no mercado de trabalho durante a gravidez ou no retorno da licença-maternidade, 20% delas relataram ter sido demitidas apesar da legislação trabalhista vetar demissão sem justa causa durante a gravidez e até cinco meses depois do parto. A pesquisa também registrou queixas de comentários desagradáveis - especialmente dos chefes -, subestimação, redução de carga horária, de salário e exclusão de projetos devido à maternidade.
Após a licença, a verdade é que mesmo a retomada de carreira é mais lenta para as mães do que para os pais. O estudo da Catho também constatou que 21% delas levam mais de três anos para retornar ao trabalho depois de dar à luz e, para eles, essa demora acontece em apenas 2% dos casos. Se, no entanto, considerarmos exclusivamente as mães que retornam ao emprego após a licença, dados divulgados em 2016 pela Fundação Getúlio Vargas verificaram que quase a metade delas acabam sendo demitidas em no máximo três anos. Em uma entrevista concedida à Revista Exame, em 2017, a administradora Simone Fortuna relatou como foi demitida de uma empresa na qual atuava há quatro anos após o nascimento da segunda filha, quando esgotaram os cinco meses de proteção garantidos por lei. ““Não falaram as razões, mas a gente sabe que tem muito preconceito. Senti isso nas entrelinhas. Disseram que a área de negócios era muito puxada, que eu estava com um bebê e deveria cuidar da minha filha.”, narrou Simone.
Certas organizações, contudo, estão atualizadas quanto aos benefícios da equidade para a economia e a própria empresa, e adotam ações afirmativas em prol dessas profissionais. Entre elas: ações que incentivem os homens a compartilhar a responsabilidade do cuidado aos filhos – (como a licença paternidade estendida); o trabalho part time, com horários flexíveis, em home office, turnos alternativos negociáveis para mães e pais com filhos pequenos; extensão da licença-maternidade ou licença não remunerada por mais alguns meses; mentoria de carreira para jovens mulheres, desde o estágio; orientações sobre planejamento familiar para adolescentes meninos e meninas; orientações para pais e mães que terão filhos acerca de cuidados com os bebês e crianças; orientações para líderes de mulheres grávidas que estejam de licença ou retornam dela; extensão do auxílio-creche para filhos com mais de seis anos de idade; e sala de aleitamento equipada com bomba elétrica para coleta e armazenamento do leite materno para mulheres que retornam da licença-maternidade.
Ações como essas, além de favorecer a equidade, desempenham um papel fundamental na vida de mães em maior vulnerabilidade, seja pela baixa renda, pelo ambiente no qual residem ou mesmo pelo preconceito. Dados do Ministério da Saúde indicam que cerca de 63% das mulheres mortas durante o parto são negras, em um contexto de alusão a uma suposta resistência superior dessas mães em relação a uma mulher branca. Mães indígenas também acabam morrendo no parto pela falta de assistência. Mães LGBT, por sua vez, obtiveram uma importante conquista em 2017, quando o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de concessão de licença-maternidade à mãe não gestante de casal homoafetivo, cuja companheira engravidou após inseminação artificial.
São avanços que, com o tempo, resultarão em casos frequentes como um ocorrido no ano de 2018, quando uma empresa de tecnologia em Belo Horizonte contratou a designer Marcela Caldeira, grávida de nove meses, por sua competência. “Eles deixaram claro que era a minha competência que estava sendo avaliada. Minha história é uma exceção, mas eu queria muito ver mais histórias como essa. Queria que minha experiência fosse algo rotineiro.”, afirmou em entrevista ao Portal Uai.
Direito de ser mãe
Se uma pessoa com deficiência no Brasil ainda tem que lidar diariamente com barreiras de acessibilidade, discriminação e outros desafios, uma mulher com deficiência tende a ser duplamente atingida, sendo possível acrescentar facilmente à lista agravantes como assédio e mesmo violência física. O que dizer, então, de uma mãe com deficiência?
A busca pelo protagonismo social, pelo reconhecimento da cidadania, constitui o objetivo central do crescente ativismo da pessoa com deficiência, que, felizmente, vem acumulando conquistas, embora graduais. O mesmo pode ser dito acerca da constante e, aos poucos, cada vez mais vitoriosa luta das mulheres por equidade. No caso de mães com deficiência, a necessidade de afirmação desse protagonismo frequentemente impacta de forma direta não apenas nas suas vidas, mas também na vida de suas filhas e filhos.
A história de Joyce Guerra, ou simplesmente Jobis, como é conhecida, tornou-se referência para pessoas com e sem deficiência, incluindo mães, em todo o Brasil. Mulher com deficiência visual e casada com um homem na mesma condição, Jobis tem 37 anos e é mãe de três filhos: Estêvão, de 9 anos; Mariles, de 7; e Cristóvão, de 5. A família mora em Guaxupé, Minas Gerais. Autora do livro “Muito além da sobrevivência”, lançado pela Artêra, um selo da Editora Appris, Jobis também utiliza a sua conta no Facebook como uma espécie de blog pessoal, na qual compartilha relatos de suas experiências e do convívio cotidiano com os filhos.
A escritora enfatiza frequentemente o que considera ser o tipo de ataque mais grave ao protagonismo de uma mãe, mulher e pessoa com deficiência, que é quando alguém atribui ao filho, mesmo a uma criança, um papel de cuidado ou responsabilidade em relação à matriarca. “Para algumas pessoas, é quase como se os papéis devessem ser invertidos, como se o filho devesse ser privado de ter uma infância, um espaço de crescimento e aprendizado equivalente ao de qualquer outra criança para zelar pela mãe, o que além de absurdo é um total desrespeito, mesmo que inconsciente, tanto a um quanto ao outro”, afirma Jobis.
Em entrevista ao Portal Mãe Onça, que teve um trecho repostado no site de notícias Catraca Livre, ela esclarece que seus filhos enxergam normalmente e que não enfrenta qualquer impedimento específico para exercer o papel de mãe em razão da deficiência. “A realidade é muito diferente do que as pessoas pensam. Claro que eu tenho algumas dificuldades que você talvez não tenha, mas não é o drama que as pessoas imaginam.”, declara. A cegueira não a impediu de amamentar, slingar, ser mãe em tempo integral e passear na rua ou no parquinho com os filhos, e utiliza alguns truques para realizar tarefas diárias. “Nós marcamos as seringas com fita adesiva para sentir quando o êmbolo atinge a marca necessária. Cortamos as unhas quando eles dormem, para não machucar. Descobri que os itens da dita ‘maternagem alternativa’ são ótimos para mães cegas: slings são mais seguros que carrinhos; baldes de banho são mais seguros e práticos que banheiras, e assim por diante.”, relata Jobis.
Adaptação também é uma palavra-chave para a doula (profissional que orienta e assiste a mães no parto) e educadora perinatal Sabrina Lage, que é uma pessoa surda desde o nascimento. Em uma entrevista à Revista Crescer, em 2018, a carioca falou sobre a sua relação com a filha ouvinte, a pequena Catharina, que na época tinha dois anos e cinco meses.
Casada com um homem também surdo, os dois se comunicam com ela por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). “Depois que a Catharina nasceu, nos três primeiros meses ela ficava no carrinho ao lado da minha cama e eu colocava uma das mãos em contato com o corpo dela, para sentir os movimentos e saber quando ela estava chorando. Até que pude me conectar melhor com ela por meio da amamentação, porque meus seios ameaçavam jorrar de leite exatamente quando ela chorava para mamar, era incrível essa conexão!”, relata Sabrina.
Segundo a carioca, a comunicação com a filha iniciou de fato quando ela completou um ano. “Catharina aprendeu simultaneamente a LIBRAS e a língua oral. A aquisição das duas línguas ocorre de forma natural e espontânea, então dizemos que ela é bilíngue. Hoje, felizmente, flui muito bem, já temos conversação em forma de diálogos. Como estimulamos as duas línguas, ela se desenvolve mais rapidamente em relação a uma criança que domina apenas uma. Percebemos que ela tem sensibilidade tanto na parte auditiva quanto na visual. Ela ouve o barulho lá fora e nos comunica o que ouviu, observa atentamente os detalhes e tem ótima memória visual”, conta a mãe.
A educadora faz parte do grupo Mães Surdas, que tem como objetivo levar informações e empoderamento a mulheres surdas. “Quando ainda estava grávida, utilizei vários sites e grupos de mães para me informar a respeito do parto, da gestação, do puerpério, da amamentação e dos cuidados com o bebê. Por isso, quando uma amiga criou o Mães Surdas, entrei como administradora. Hoje, nosso objetivo é empoderar essas mães e equipá-las com informações de qualidade acerca da maternidade.”, explica.
Sabrina e o marido também criaram a fanpage Pais Surdos no Facebook,, na qual compartilham relatos de experiências e do dia a dia com a filha. É assim, compartilhando conhecimento, que tanto Sandra como Jobis, além de registrar seu protagonismo, ajudam outras tantas mulheres e mães, com ou sem deficiência, a fazer o mesmo.